A inteligência vegetal: Uma nova abordagem para o estudo das plantas

Museu do Amanhã
4 min readOct 16, 2023

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A natureza e complexidade das plantas intrigam pesquisadores e filósofos há séculos, grandes nomes da história como Aristóteles, Teofrasto, Lineu e Charles Darwin se dedicaram a compreender o funcionamento e a diversidade desses organismos.

Obra da amostra ‘Jardim interior’ de Roberto Galvão

Até algumas décadas atrás, a visão predominante abordava as plantas como seres passivos, com respostas previsíveis e programadas, indefesas e sujeitas ao mundo ao seu redor. Guiados por essa abordagem, é de fato difícil atribuir qualquer inteligência às plantas, pelo simples fato da possibilidade de inteligência em plantas nem sequer ser considerada.

Entretanto, nas últimas décadas, muito se tem discutido sobre a inteligência e complexidade do reino vegetal. Há ao menos dezenas de trabalhos publicados por autores como Anthony Trewavas, Michael Marder, Gustavo M. Souza, Monica Gagliano, František Baluška, Paco Calvo, entre outros que exploram detalhadamente diversos aspectos que apontam a inteligência vegetal, com diferentes abordagens.

Além da produção científica, o tema inspirou livros de popularização como “Verde brilhante” e “Revolução das Plantas” de Stefano Mancuso e “A vida das plantas — Uma metafísica da Mistura” de Emanuele Coccia.

Mas afinal, as plantas são inteligentes?

Primeiramente, vale ressaltar que a inteligência não é uma capacidade ligada a organismos que possuem um sistema nervoso central ou um núcleo de comando, o que é uma visão muito comum.

Há décadas que já se fala sobre inteligência bacteriana, inteligência viral, inteligência artificial, até mesmo atribuímos inteligência ao domínio de outras capacidades humanas, como inteligência emocional e social.

Em cada um desses casos, certamente há definições e motivos distintos que justificam a inteligência. Entretanto, atualmente, entende-se que os comportamentos inteligentes em diferentes formas de vida, estão intimamente ligados com a resolução de problemas que envolvem sua saúde e sobrevivência. Frente aos problemas, nós animais temos geralmente duas opções: lidar ou fugir, no caso das plantas, fugir não é uma opção viável.

As plantas em seu ambiente natural são constantemente desafiadas a resolver problemas como falta de água e nutrientes, ataque de predadores ou doenças, entre outras dezenas de estímulos e sinais ambientais que estão expostas a todo momento. É nesse contexto, frente às adversidades, que podemos observar a complexidade e inteligência nos comportamentos das plantas.

As plantas estão a todo momento moldando seu comportamento para resolver seus problemas diários. Elas possuem capacidade de produzir diversos compostos químicos voláteis, e quando são atacadas por herbívoros ou acometidas por doenças, por exemplo, a produção desses componentes é alterada. Alguns dos compostos liberados já têm função conhecida, como a indução de mecanismos de defesa, que causam mudanças como amargor nas folhas ou produção de compostos intoxicantes. Além disso, esses compostos voláteis liberados no ar podem avisar as plantas próximas que há um predador na região, ativando os mecanismos de proteção das plantas vizinhas mesmo que elas (ainda) não tenham sofrido ataques.

Obra “A árvore de todos os saberes” de Jaider Esbell

Pode parecer simples, mas para esse comportamento a planta precisa reconhecer que suas folhas foram predadas; entender que isso é um problema para sua sobrevivência; enviar um sinal para outras partes da plantas; o sinal precisa ser compreendido e resultar em uma resposta que altere seu metabolismo a fim de resolver o seu problema, nesse caso, a alteração da química de suas folhas.

Repare que esse comportamento prevê um resultado positivo no futuro (parar a predação), e necessita do entendimento que a produção de um composto específico é uma solução para resolver seu problema. Além disso, as plantas vizinhas reconhecem o tipo de composto que foi liberado como um sinal de aviso, ativando suas próprias defesas, antecipando sua resposta a um problema que está por vir.

Na natureza, as plantas estão suscetíveis a predação a todo momento, é um problema cotidiano, que demanda mecanismos complexos e sofisticados de sinalização, aprendizagem e antecipação, em outras palavras, as plantas precisam ser inteligentes para sobreviver às adversidades diárias.

Este é apenas um dos diversos exemplos e argumentos a favor da inteligência das plantas, que abre margem para diversas outras perguntas igualmente complexas. Atualmente já se estuda sobre cognição, memória, aprendizagem, autoconhecimento e comportamento intencional nas plantas.

As descobertas e discussões sobre o tema estão longe de chegar ao fim, mas já se sabe que os avanços demandam a integração de diversas áreas do conhecimento, se valer apenas da ciência botânica já não é mais suficiente para se estudar a complexidade do universo vegetal.

O histórico dos estudos sobre a inteligência nas plantas nos mostra que a construção conhecimento avança cada vez mais com a integração de diversos saberes e perspectivas, nos relembrando o que as plantas já bem sabem há milênios, viver em cooperação nos prepara melhor para o presente e o futuro.

Por Luana Santos, bióloga e pesquisadora da Cátedra da UNESCO em Bem-Estar Planetário e Antecipação Regenerativa do Museu do Amanhã.

A Cátedra Unesco de Alfabetização em Futuros é uma parceria do Museu do Amanhã, da Unesco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fundação MOTI com apoio da Humanize.

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